O conto do Baratão
Por M. Mayona
Acordou certo dia, depois de um sono conturbado, insetificado. Não sabe, seguramente, como aconteceu. Desesperou-se por um momento, ao pensar na subsistência. Como seria dali pra frente? Nesse dia não saiu de casa. Ficou matutando a experiência, essa metamorfose, lembrou-se dos filmes a que já havia assistido e dos livros que já tinha lido. Julgava impossível que essas coisas acontecessem na vida real.
Depois de muito pensar, e de criar coragem, achegou-se ao espelho do quarto. Ele era grande, de maneira que poderia ver-lhe todo o corpo. Fitou-se com sofrimento. Achou-se repugnante. Tocou levemente as antenas, com asco. Nisso, apercebeu-se das mãos, digo, patas. Viu que tinha um par a mais que os humanos. Tentou manejar coisas com elas.
Acendeu um cigarro, pegou um livro de poemas, uma garrafa de vinho e uma camisa. Espantou-se com a habilidade que agora tinha. Embebedou-se sentado na cama, recitou alguns poemas de Rimbaud, caindo de repente de patas no chão, e, deslizando como a barata que era, percorreu todo o quarto, todo; subiu pelas paredes e enxergou tudo por outras perspectivas. Sentiu-se bem, afinal. Podia beber, podia ler, podia fazer tudo, só que num corpo de inseto. Tentou uns acordes na guitarra, fez uns solos melódicos. As patas de barata não o impediam de fazer nada! Nada! Dormiu, finalmente.
(...)
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