quinta-feira, 9 de abril de 2009

Cuidado artista talentoso: pode haver um Salieri no seu encalço

(Paul Jackson Pollock)

Artigo publicado no site Paraíba Online


Antonio Salieri (1750-1825) foi um famoso compositor de sua época. Ocupou o cargo de compositor oficial da corte de José II, em Viena, onde escreveu diversas óperas e concertos que foram aclamados pelo público. Também foi professor de grandes compositores da música universal, entre eles Beethoven, Hummel, Liszt e Schubert. Entretanto, ficou mais conhecido por sua inveja do que por sua obra. É tido como o perseguidor e o assassino do grande gênio da música clássica, Wolfgan Amadeus Mozart. Pesquisas recentes apontam a favor de Salieri, afirmando que Mozart morreu de febre reumática, e que a insinuação de envenenamento foi algo criado posteriormente para romantizar a morte deste gênio da música. Afirmam ainda que Salieri possuiu uma relação amistosa com Mozart, tendo sido, inclusive, o professor do seu filho mais novo, Franz Xaver, após a sua morte.

Muita especulação foi feita sobre a relação entre Salieri e Mozart. Algumas peças escritas reforçaram esta relação conflituosa entre os dois, porém, foi o filme Amadeus(1984), de Milos Forman, o grande responsável pela massificação deste estereótipo do Salieri invejoso e assassino. O fato é que, independente do que tenha ocorrido entre Mozart e Salieri, a inveja sempre foi algo presente nas relações humanas, principalmente na esfera artística.
Quantos pintores não se morderam de inveja de Polock, pintor abstrato americano, quando este ganhou prestígio e reconhecimento ao desenvolver uma técnica que consistia em respingar a tinta diretamente na tela, sem que o pincel tocasse a superfície a ser pintada? Ou mesmo Romero Brito, que desenvolveu uma técnica simples e direta, com traços seguros e cores vibrantes, sem nada de genial ou profundo, mas que, no entanto, o tornou conhecido no mundo inteiro? Neste caso, a inveja é ancorada na visível mediocridade das obras, seja na sujeira de Polock, ou nos desenhos infantis de Brito, que, apesar de tudo, conquistou um publico significativo. Porém, antes que soe as más línguas, venho me adiantar em afirmar que não tenho inveja desses artistas; só se é possível invejar aquilo que se admira, e definitivamente, suas obras me são indiferentes.
Está neste fato o principal mal do invejoso: ele almeja ser e viver a vida daquele que admira, mas por não possuir o talento a (ou sorte) deste, acaba por almejar o seu fracasso, isso quando não atua diretamente para que o infortúnio ocorra. O Salieri do filme Amadeus deixa de viver sua vida e passa a viver a existência de Mozart, colocando uma empregada em sua casa para receber todo tipo de informações sobre o cotidiano deste. A inveja, neste caso, consiste no ato de despertar a mediocridade diante do talento do outro. Fragilizado por não possuir talento, resta somente eliminar o suposto causador de tudo, ou seja, aquele que provoca a inveja.
Devido a isso, que o artista talentoso não possui inveja (ao menos não deveria possuir). Ele é seguro suficiente do seu trabalho e sabe da força e originalidade que este comporta. Quando se depara com alguém também genial, não se sente ameaçado. Sabe que apesar deste possuir uma obra encantadora e poderosa, nunca poderá competir com a sua, simplesmente por ser outra coisa, diferente e também original. Cabe então aprender com este artista tudo o que lhe for possível, para assim tornar a sua obra ainda mais significativa. Isso só é possível se o artista for humilde o bastante para saber que sempre poderá aprender, independente daquele que o ensina.
E humildade é algo complicado para o artista talentoso que sabe possuir talento, pois a habilidade artística e a arrogância estão lado a lado, separadas por uma linha tênue. Torna-se complicado, já que a arrogância deveria ser uma ferramenta útil somente aos artistas medíocres, que não possuindo aptidões para arte, utilizam-se do discurso para divulgar a si mesmos. Falam de suas obras durante horas, acrescentam cada coisa insignificante que possam ter elaborado em vida e pontuam tudo que acredita que causará impacto.
Já o grande artista, se não quiser, não precisará falar sobre suas obras, pois elas já estarão discorrendo por si. Elas revelam segredos tão íntimos que dispensam qualquer comentário daquele que o fez. São tão poderosas que falarão mesmo após a morte do seu criador. E já que começamos este artigo citando um grande compositor, poderemos encerrar abordando a postura fechada e isolada do vocalista da banda Radiohead, Thom Yorke, que apesar de quase nunca dar entrevistas, revela a nós mesmos em belíssimas canções entoadas em sua voz de anjo, seja falando sobre o cotidiano, sobre o consumismo ou sobre relacionamentos fracassados.