segunda-feira, 2 de março de 2009

O falecimento do Encontro para Nova Consciência e o fracasso da alteridade?

(Metamorfose de Narciso - Salvador Dali)


O falecimento do Encontro para Nova Consciência e o fracasso da alteridade?
Artigo publicado no site de notícias Paraíba Online


Conceituamos o Outro como tudo aquilo que não reconhecemos em nós mesmos. Aquela massa corpórea e excêntrica capaz de nos surpreender a qualquer momento, exatamente pela estranheza que transborda. Ele pode ser facilmente identificado pelos seus erros, por seus valores ineptos, por suas crenças absurdas. Sua estética é ancestral, seus costumes ultrapassados. No Outro encontramos valores que estão distantes de nós, prazeres que nunca poderemos experimentar. Por isso mesmo que não revelamos, mas o Outro secretamente provoca desejo, admiração e inveja.

Curioso como não percebemos, mas o Outro é, essencialmente, idêntico a nós; como reflexo de espelho turvo, que dissolve os detalhes e deforma seu resultado final. E ser idêntico, neste caso, não significa ser igual, mas também possuir valores, culturas e costumes excêntricos, não naturalizados. Ser todo aquele conjunto complexo que enxergamos sempre que estamos diante do Outro. Neste caso, o caminho da alteridade, do altruísmo e do ecumenismo não deveria partir do principio de que o Outro também é igual a Você. É preciso que se entenda que, na verdade, Você é tão diferente, complexo e estranho quanto o Outro.

Seria preciso um pouco de distanciamento para entender o que afirmamos. Olhando-nos de longe, veremos o quanto podemos nos apresentar estranhos aos nossos olhos, principalmente quando reproduzimos, de forma mecânica, um cotidiano miserável do ponto de vista existencial, porém, exigente temporalmente. Caminhamos mais como quem corre, tropeçando indiferentes em mutilados e esfarrapados que suplicam nossa atenção em troca de uma moeda. Mas no fim, todos queremos ser vistos, seja pela roupa caríssima que possuímos, pelo forte odor de nossos perfumes importados ou pelos novos seios emborrachados e enormes, que exibimos escondidos atrás de um lindo decote.

Tantas letras dedicadas ao tema do Outro tem um fundamento: O Encontro Para a Nova Consciência, ou quem sabe, seu falecimento. Nascido em 1992, o Encontro tinha como principal proposta discutir a defesa da diversidade, do altruísmo e do ecumenismo. O Outro, definitivamente, passou a ser o cerne das discussões nas palestras e cursos ministrados durante o evento. Sendo realizado no período de carnaval, acabou por virar uma opção para todos aqueles preocupados com a situação e os problemas do homem, ou para aqueles que não estavam dispostos a enfrentar os festejos de carnaval dos grandes centros.

O que inicialmente causou grande euforia, tendo sido inclusive divulgado em diversas mídias nacionais, revelou toda dificuldade que é manter um evento voltado para a discussão da relação pacífica entre os seres humanos que partilham de visões de mundo antagônicas. Se no primeiro ano do evento houve um amistoso abraço entre o Bispo de Campina Grande, Dom Luis Gonzaga Fernandes e o Pastor presbiteriano Nehemias Marien, nos anos seguintes a desunião aparentou ser mais forte. Logo surgiu um encontro separado somente para os protestantes chamado Encontro Para a Consciência Cristã e outro para católicos, o Crescer. Ficaria claro o conservadorismo local, e as religiões, filosofias e ciências que tiveram grande espaço no primeiro ano do evento, acabaram por serem ofuscadas e atacadas pelo crescente número de pessoas que encorpavam estes eventos paralelos.

Une-se a isso a falta de dinamismo e organização no que se refere à programação, que seguiu semelhante nos dezoito anos em que agoniza o evento. Figurinhas carimbadas estavam sempre presentes, o que tornava as discussões maçantes e seu progresso distante. O que inicialmente era novidade, atraindo atenção por seu ineditismo, acabava por ser tornar algo corriqueiro, embotado pelos vícios sociais, pelos apadrinhamentos e pelos comodismos provincianos.

A programação cultural já se poderia ser adivinhada meses antes do início do Encontro, sem muitos esforços, apenas por dedução. É certo que sempre se cogitava nomes de atrações nacionais, entretanto, possuíamos a certeza que outra vez estaríamos embriagados e cantando junto ao Cabruêra, com as mesmas olheiras dos padres gregorianos que sonham em entoar algo novo algum dia.

Mas o Encontro ainda não sucumbiu totalmente. Tenhamos otimismo. Falta somente alargar os horizontes das parcerias, buscar apoio em outros setores, acabar com a dependência cômoda dos patrocínios exclusivos das políticas locais. Um evento com uma proposta tão grandiosa não encontrará dificuldades em conseguir verbas para sua realização, seja da iniciativa privada ou mesmo das grandes estatais, como Petrobrás, Eletrobrás, Caixa, Banco do Brasil, entre tantos outros.

A Nova Consciência já deveria estar latente em nossa sociedade depois de dezoito anos de Encontros. Porém, o que observamos é sua ausência, mais precisamente quando ocorrem situações como o ataque ao encontro de judeus neste ano, ou a queima de pneus pelos evangélicos na frente do Teatro Municipal no ano passado. Torna-se nítida a necessidade de resgatar a alteridade. É certo que podemos aprender com o desastre de 2009. No próximo ano, estaremos ávidos para que o Encontro Para a Nova Consciência cresça e assuma seu lugar merecido.

Porém, se o evento falecer de fato, podemos voltar a esvaziar a cidade neste período de carnaval para nos encontrarmos nas praias de João Pessoa, como sempre foi costume por aqui. Lá na capital, seremos efetivamente o Outro, causando estranhamento quando passarmos com nossas farofas e com o dorso e o rosto maltratado pela exposição intensa ao sol e ao mar, algo tão comum a nós campinenses nos dias em que sucedem as folias de carnaval.



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