segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

NA EXTREMIDADE DA "ONDA CÔNCAVA DO MAR PROFUNDO"




“Desde a idade de seis anos eu tinha mania de desenhar a forma dos objetos. Por volta dos cinqüenta havia publicado uma infinidade de desenhos, mas tudo que produzi antes dos sessenta não deve ser levado em conta. Aos setenta e três compreendi mais ou menos a estrutura da verdadeira natureza, as plantas, as árvores, os pássaros, os peixes e os insetos. Em conseqüência, aos oitenta terei feito ainda mais progresso. Aos noventa penetrarei ao mistério das coisas, aos cem, terei decididamente chegado a um grau de maravilhamento – e quando eu tiver cento e dez anos, para mim, seja um ponto ou uma linha, tudo será vivo.” (Katsuhika Hokusai 1760-1849).

Estas são as palavras do mais conhecido pintor de estampas japonesas, responsável por obras que encantaram até mesmo os pintores expressionistas, em especial Van Gogh. A magnitude dos temas, a força das cores, assim como o processo de produção destas obras-primas comporta grande parte de sua complexidade artística, indicando o fascínio como são disputadas por colecionadores mundo a fora.
Para que as estampas japonesas ficassem prontas, era preciso o talento de três artistas que trabalhavam na mesma obra: O desenhista, o gravador e o impressor. O primeiro, era quem ficava com os créditos, notadamente por ter sido o criador da imagem a ser gravada. Era ele quem transmitia, através dos traços de seus desenhos, significados e vida aos objetos retratados. A força ou a leveza da composição era proveniente da mente deste artista. Hokusai era um destes mestres.
Por outro lado, o gravador, embora já apanhasse o desenho pronto, em preto e branco, detinha grande importância para o resultado final das estampas. Ela ele quem fixava o desenho em um bloco de madeira de cerejeira da montanha e, pacientemente, ia talhando-a a fim de deixar os traços do desenhista em alto relevo na madeira. O processo se assemelhava ao da xilogravura característica da literatura de cordel.
Havendo o gravador trabalhado a madeira, cabia agora ao impressor tirar as primeiras provas e em seguida, compor novos blocos, cada um para uma cor. É neste processo que fica evidente o talento deste artista. Ele deveria manter um registro correto das cores, conservar uma pressão uniforme em superfícies de cor lisa, graduar e sombrear as cores pela maior ou menor limpeza do bloco, entre outras atividades complexas.
Os temas trabalhados nas estampas variavam muito. Faziam desde estampas eróticas até reproduções das fisionomias dos mais famosos lutadores de sumô. Também trabalhavam com estampas de pássaros, flores, cenas com personagens heróicas ou lendárias, paisagens, entre outros. Registraram, desta forma, aspectos culturais e sociais do Japão das épocas em que foram elaboradas.
Uma das obras mais famosas de Hokusai foi “A onda côncava do mar profundo”, pintada no fim da década de 1820. Nesta estampa observa-se uma onda monstruosa que se ergue de crista crispada em garras de espuma que parecem querer estender-se a ponto de engolir três barcos compridos e frágeis, que insistentemente direcionam-se contra as ondas. Os homens dos barcos são apresentados de maneira insignificantes diante das ondas impetuosas. O pico do Fuji está retratado ao longe, destacando seu azul sobre o cinza do céu, porém, confundindo-se com as ondas pintadas no primeiro plano. Embora se trate de uma imagem inerte, nota-se o movimento furioso com que as ondas sacodem os barcos e seus tripulantes. Hokusai pintou essa obra por volta dos sessenta anos, em plena maturidade artística e existencial.
Embora tenha defendido que somente aos cento e dez anos consideraria vivo um ponto ou uma linha, é certo que já quando elaborou “A onda côncava do mar profundo” Hokusai estava perto desta perfeição. A vivacidade dos traços remete-nos para dentro da onda, ao lado dos pequenos homens em seus barcos, e metaforicamente poderíamos afirmar que aqueles somos nós, resistindo firmemente às dificuldades, pois maior do que as ondas e sua força é nossa vontade de continuar vivendo, de continuar enfrentando tudo aquilo que se apresenta maior e mais forte do que nós mesmos. Ao vencer a onda azul, distante do céu triste e cinzento, podemos nos deparar somente com um mero traço ou uma linha frágil. Se ambos estarão vivos é algo que Hokusai não pôde responder com esta obra; a resposta encontra-se na extremidade da onda côncava. Cabe a nós transpô-la.

Um comentário:

Anônimo disse...

Good post and this post helped me alot in my college assignement. Gratefulness you as your information.